Cena Contemporânea 2018: Entre o diálogo, a palavra e a crítica teatral
Nesse ano eu faço parte da equipe de crítica teatral do Cena Contemporânea 2018 e lembrei da transição que vi em mim a partir dessa nomenclatura.
Eu sempre me esquivei um pouco da palavra crítica. Consegui unir o amor entre o teatro e as palavras no encontro dos textos teatrais. Acho uma delícia falar das peças, dos processos criativos, da linguagem, dramaturgia, luzes, dos atores. Gostava de dizer assim, “não faço crítica, eu comento sobre as peças”. A palavra crítico me soava estranha. Aprendi a reconhecê-la, no primeiro momento, da maneira errada. Dizer-me crítica criava em mim uma sensação de pequena julgadora do trabalho alheio.
Pensava: “Ora essa, quem sou eu, sentada no conforto de minha cadeira, para criticar o trabalho de quem fez alhos e bugalhos para subir ao palco?”. Pura bobagem. Com o tempo aprendi que a crítica teatral é outra forma incrível de criar diálogos. Mais uma possibilidade aberta de fazer reverberar o trabalho criado e apresentado no palco com tanto suor.
Hoje, entendo a crítica teatral como um delicioso caminho de transformar em palavras as sensações, desejos, surpresas, sentimentos e desgostos que senti na troca criada com os artistas no palco. Por ter estado anos seguidos ali, naquele mesmo espaço de exposição, a escrita me chega de maneira ainda mais forte. Consigo me imaginar em cena, penso nas soluções que dariam outros colegas, fico surpresa com histórias incríveis, sinto vontade de subir em cena. Depois de entender as possibilidades criadas pela crítica a palavra me pareceu mais serena.
Quero assistir os trabalhos e dialogar, transformar aqueles corpos em outros formatos. E, assim, fico feliz em participar pela primeira vez da programação oficial do Cena Contemporânea 2018 no papel de crítica teatral. O diálogo está aberto, vamos ver, rever, debater e partilhar.
Possibilidades
Acostumei a ter uma pontada forte de personalidade múltipla. Entrei para as aulas de teatro ainda cedo, assim como as de dança e mais tarde a música, e por um tempo o teatro musical, depois ainda a comunicação, quem sabe até a fotografia? Hoje todos se misturam e com a cola quente da palavra, são paixões interligadas. Ao longo dos anos e principalmente com o exercício da profissão de jornalista pude confirmar que, entre todos os meus amores, o teatro ainda é o mais invisível e (por que não dizer?) marginalizado.
A crença de que o público não chega é forte. No entanto, em tempos de extrema preocupação numérica, desfrutar da experiência do instante presente não seria um privilegio? Por questões de sua própria natureza o espetáculo teatral não consegue abarcar a mesma quantidade que um filme, por exemplo. O cinema, enquanto permanece como outra deliciosa forma de enxergar o mundo tem consigo a possibilidade de se espalhar em reproduções inúmeras, simultaneamente em milhares de telas e por quantos anos forem possíveis.
O teatro não. Ele pede a experiência, ele quer desfrutar o instante, reunir os corpos, encontrar os olhares. A experiência teatral não acontece sem o encantador encontro entre artista e plateia. Em palco fechado, em ruas abertas, em cenas clássicas ou em criações experimentais, a presença do ator e espectador torna-se fundamental. O teatro é um rito. Um instante em que nos permitimos submergir naquele único momento presente. E apaixonados que somos, persistimos, convidamos continuamente outros que possam também experimentar.
Cena Contemporânea 2018 – Tempos possíveis
Enquanto rito, o teatro se dissipa pelo tempo, monta um retrato de sua época e se reproduz apenas com a presença da sociedade em que dialoga e interfere. Por algumas horas, nos permitimos a completa desconexão com a realidade que nos apita continuamente. Durante o espetáculo, observamos outra possibilidade daquilo que é real. Histórias contadas e a possibilidade do riso, do choro, do enfrentamento ou da revelação. Meses de montagem, leitura, ensaios, busca por imagens e muita repetição.
É a certeza de que existem outros caminhos, outros tempos possíveis. Bom saber que a realidade concreta não é a única capaz de dialogar. Entre textos e cenas, cortinas e palcos, ruas e praças, o teatro permanece como uma das mais fortes possibilidades de fazer refletir, perceber novas ideias, pensar possibilidades e contar boas histórias. Subir ao palco é abrir caminho para que, através do que dizem os corpos, outras vozes ganhem espaço para dialogar.
Colóquio de Crítica Teatral
O Cena acontece de 21 de agosto a 2 de setembro e a programação está incrível. Por fim, aproveito para convidar todos ao colóquio crítica teatral, que acontece na UnB, quinta-feira (23/08), como parte da programação do Cena Expandida. O papo começa às 14h e conta com a equipe que vai dialogar com o público sobre os espetáculos.
O colóquio reúne, enfim, a equipe de críticos do Cena Contemporânea de 2018 para um diálogo aberto ao público sobre o estado da crítica teatral na atualidade e suas diversas dimensões. A crítica como registro historiográfico, difusão e ampliação do alcance do público às artes cênicas. Simultaneamente, como produção de reflexão estética e ética das obras, e os desafios da relação entre os produtores de crítica, artistas e público. Logo depois: Qual a crítica teatral que temos hoje? Qual a crítica teatral que queremos? Existe defasagem na abordagem crítica sobre as linguagens da cena?
Confere aqui:
Saiba mais sobre os espetáculos locais
Comments