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Foto do escritorIsabella de Andrade

Leia Mulheres – Projetos literários expande o protagonismo das escritoras

Hoje encerramos nossa primeira série sobre literatura escrita por mulheres. Falamos como grupos e coletivos que estão trabalhando para equiparar os espaços atualmente. Além disso, no final da matéria você encontra o link para os textos anteriores e entrevistas com as autoras e idealizadoras que estão na linha de frente de diversos projetos. Boa leitura e leia mulheres!

 

Entrevista em vídeo com as meninas do Leia Mulheres


Ampliar o espaço feminino no mercado editorial, mostrar que a literatura produzida por mulheres integra diversos gêneros e vai além dos romances afetivos ou autorais. Além disso, equiparar a publicação e leitura entre autores e autoras, são estes alguns dos objetivos dos coletivos literários criados por mulheres em diferentes regiões do país.

Entre os representantes conhecidos estão Leia Mulheres, Leia Poetisas, Coletivo Marianas, Kdmulheres e Leia Mulheres negras. A ideia principal é preencher nas livrarias e estantes pessoais uma lacuna criada pela falta histórica de reconhecimento cultural e intelectual feminino. Enquanto isso, entre as iniciativas que podem diminuir a desvantagem histórica estão: Debater o assunto, estimular editores a repensarem escolhas, ter mais mulheres em postos de tomada de decisão nas editoras. Ainda mais, levar a escrita e a literatura para meninas e jovens negras nas áreas de maior vulnerabilidade.

Representante brasiliense do Leia Mulheres, uma das maiores iniciativas atuais do gênero, a jornalista Patrícia Rodrigues (26) conta que a iniciativa surgiu em São Paulo, em 2014 e se espalhou pelo Brasil. Como resultado, o motivo de criação é simples: o mercado editorial ainda é muito restrito e as mulheres não possuem tanta visibilidade.

Diversidade literária

Os encontros para debater os livros escolhidos no Leia Mulheres são mensais e Patrícia conta que muitos participantes quebram seus próprios paradigmas durante as reuniões. “ As discussões são enriquecedoras e percebo que as pessoas estão respeitando mais as opiniões que divergem das delas. Não existe nada melhor do que debater gênero, maternidade e alguém dizer ‘poxa vida, não havia percebido isso. Faz sentido‘”, conta.

De acordo com o livro Literatura brasileira contemporânea, de Regina Dalcastagné, publicado em 2012, 72%dos autores publicados no Brasil sãohomens, brancos, de classe média, moradores do Rio de Janeiro e São Paulo, professores ou jornalistas. As mulheres continuam sendo minoria no mercado editorial. Patrícia lembra que ainda existe a ideia preconceituosa de que mulheres escrevem apenas livros românticos para outras mulheres.

“A verdade é que mulher, assim como homem, escreve sobre tudo. Nos encontros discutimos sobre os mais variados temas: profissão, gênero, racismo, preconceito, maternidade, psicopatia,”, afirma a mediadora do Leia Mulheres em Brasília.

Para ela, o Leia Mulheres possibilita que mais pessoas conheçam autoras que não seriam a 1ª opção de leitura. Com o aumento de demanda, aumenta a oferta. Essa ampliação do mercado pode fazer com que mais meninas se sintam motivadas a começar uma carreira literária.

Mulheres de todos os cantos

A ideia é incentivar a leitura de autoras de diferentes partes do mundo, expandindo o eixo Estados Unidos – Inglaterra. “Eu indicaria as obras da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, as narrações são de tirar o fôlego”, conta Patrícia Rodrigues.

Criado como sub-grupo do projeto, o Leia Poetisas pretende aproximar a poesia dos leitores, mostrando que os versos não precisam ser vistos como algo complexo ou inacessível. A escritora brasiliense Patrícia Colmenero (29) é uma das criadoras do grupo no Distrito Federal e conta que a ideia é incentivar as pessoas a experimentarem as brincadeiras que a poesia cria com as palavras e a linguagem.

“A poesia é uma área mais marginal dentro da literatura brasileira e como as mulheres já são marginalizadas de uma forma geral, na poesia são mais ainda”, afirma a autora.

Colmenero destaca que estes projetos têm muita importância na busca de um equilíbrio entre a publicação e leitura de homens e mulheres, equiparando as estatísticas. “A Virgínia Woof, no livro dela Um teto todo seu, fala que, provavelmente, muitos daqueles textos que lemos e que vem sem assinatura, assinados como anônimos, devem ter sido escrito por mulheres, mulheres que nunca foram reconhecidas como escritoras”.

Leia mulheres negras

A professora e pesquisadora Bianca Gonçalves (24) criou o grupo Leia Mulheres Negras. Ela estuda a questão das autoras negras e da literatura marginal-periférica. Como resultado, a foi criada pra suprir a dificuldade de encontrar conteúdos com essa temática. Além disso, para reunir o público interessado e Bianca conta que o retorno tem sido positivo, com mensagens diárias de agradecimento e sugestões.

“Acredito que o gesto seja importante para dar visibilidade à autoras que são pouco divulgadas ou sequer são publicadas por editoras e, por isso, não dispõem de um aparato de publicidade, pensando que a experiência da autopublicação é recorrente entre autoras negras”, afirma.

Para Bianca, é fundamental preencher essa lacuna no mercado literário. Ela lembra que a maioria dos autores em editoras nacionais é composta por homens brancos de classe média que. “Essa maioria insiste em construir ficcionalmente o mesmíssimo espaço que ocupam”, afirma. A pesquisadora gosta de incluir em sua crítica não somente a questão das desigualdades de gênero e raciais. Ela inclui também a restrição de um só gênero literário, já que não existem somente romances, há também poetas, ensaístas e pesquisadoras negras que escrevem livros.

Outras possibilidades de diálogo no Leia Mulheres

Outra importante questão levantada é a questão do próprio acesso à leitura e aos estudos, historicamente mais restritos entre a população negra brasileira. “Escrever um livro talvez seja o ápice da atividade intelectual, algo que demanda tempo e capital, tanto financeiro como cultural.

As lutas pela democratização do ensino, reivindicações por cotas e políticas de permanência em universidades são centrais para a existência da paridade entre pessoas negras e brancas no exercício intelectual”, afirma Bianca. Ela indica a leitura da brasileira Conceição Evaristo. Além da estreante portuguesa Djaimilia Pereira de Almeida, que usa a obra Esse cabelo como mote para se pensar sobre identidades e subjetividades no contexto português.

Questão histórica

Uma das primeiras iniciativas deste gênero é o projeto KDmulheres. Ele foi iniciado em 2014, época em que a lista da Flip (Festa literária de Paraty) trazia apenas 7 autoras para 44 autores. Na frente de criação do projeto está a jornalista e escritora Martha Lopes (32). Ela lembra que, a partir dessa iniciativa, foi criado um coletivo para desenvolver diferentes atividades.

“Demos oficinas gratuitas de escrita para mulheres e desenvolvemos um projeto que visa resgatar histórias de escritoras brasileiras que foram inviabilizadas pela história”, conta.

Martha destaca que temos uma desvantagem histórica para superar. Historicamente, as mulheres tiveram acesso à escrita e à educação mais tarde do que os homens, o que já é uma dificuldade. Além da questão do pensamento que restringe a escrita de mulheres para um determinado gênero literário, existem questões estruturais no cotidiano das escritoras.

“Muitas mulheres ainda assumem o cuidado dos filhos, não contam com a divisão igualitária de tarefas dentro de casa, e tudo isso se reflete em tempo para a escrita. É comum, por exemplo, ver escritores com filhos em eventos, viagens, reclusos no processo de produção literária. E as mulheres com filhos? Isso já é mais raro”.

Iniciativas que se espalham

leia mulheres

A ideia de Andréia Carvalho Gavita (43) se espalhou e tem incentivado mulheres de outros estados. Criadora do coletivo Marianas, a técnica de farmácia e poeta fez uma chamada nas redes para reunir mulheres artistas de Curitiba.

O grupo se juntou disposto a realizar ações para divulgar o trabalho cultural realizado por mulheres. Entre eles, saraus, récitas e intervenções artísticas. O nome do coletivo que reúne diferentes autoras da cidade é inspirado na escritora Mariana Coelho, que escreveu, entre outros, o livro A evolução do feminismo: Subsídios para a sua história.

“O trabalho cultural produzido por mulheres ainda é considerado menor e adjacente. Quando nos unimos para revelar a quantidade de cultura produzida por mulheres, estamos oportunizando e respaldando a pesquisa que é filtrada e ditada pela hegemonia masculina”,afirma.

Para Andréia, o estigma de que a mulher só escreve ou produz arte como passatempo emotivo  está enraizado. Tanto na mentalidade de homens quanto de mulheres. “Como exemplo real, citaria uma reportagem sobre uma antologia escrita apenas por autoras mulheres. Nela, o jornalista nos perguntou se era escrita para leitoras mulheres. Isto faz parte do imaginário de muitos leitores e leitoras”. A criadora do projeto conta que, atualmente, compra e lê muito mais livros escritos por mulheres. A ideia é tentar equiparar suas leituras na estante e na mente. Além disso, a poeta destaca que as autoras trazem outra visão de personagens femininas.

Em comum, todos os grupos e coletivos buscam expandir a ideia de que a literatura é universal. Eles realizam ações que validam a produção cultural de mulheres. Além disso, mostram que a luta por este reconhecimento mútuo ajudará, e muito, na paridade da produção literária e cultural.

 

Conheça os coletivos

Coletivo Marianas: www.coletivomarianas.com

 

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