Pulso do silêncio
A verdade é que era desconhecido de prazeres até então. Não por não tê-los, mas
por não saber que os tinha. Ou por saber que os tinha com tamanha intensidade que acostumei-me a substituí-los pelo medo. Tu não sabe, mas a experiência de qualquer prazer apavora aqueles que andam carregados de culpas de si. Reconhecem-se como gente mansa por demais, e aqui me incluo, após longa análise e a partir desse reconhecimento, passam a se sentir culpados. Não sabe que a doçura em excesso vira fardo? Ela escorre pela pele, sem aviso prévio, e te faz grudar no próprio corpo. Corpos presos sentem-se culpados. E assim, esse tipo de gente – aqui me incluo, não se esqueça – só consegue se desprender após conhecer gente que tenha os olhos cheios de mundo, que consegue libertar qualquer criatura, excessivamente doce, da culpa pelo prazer.
A culpa é uma espécie de fome constante por algum antigo sentimento que lhe foi tomado. A gente tenta preencher os corpos dessa fome de mundo, mas não existem fatos suficientes para cobrir a quantidade de espaços que se criam ao retirar de seu posto fixo uma profunda sensação. O espaço arde inicialmente, não aprendemos lá muito bem a lidar com vazios. O vento quente da cidade bate por dentro e espalha os últimos pedaços de carne que restavam. E assim, o vento frio e desaforado a céu aberto pode, enfim, entrar e derrubar, sem nenhum princípio, toda e qualquer antiga certeza. Faz-se silêncio. Acompanhado do firme barulho alvoroçado por toda a gente ao redor. Retoma-se o espaço, não como ponto preenchido, mas como firme vazio, impenetrável por toda verdade controversa. Formam-se as primeiras palavras, trazidas pelo frescor das novas texturas e sensações. A palavra nova, assim como as primeiras sensações, tem um sabor tão forte que coloca as mais secas línguas a salivarem em cada pequeno pedaço de degustação. Entendido o vazio do espaço, formam-se raízes, mais firmes que qualquer velha e rasa sensação. O vento passa novamente, soprando por dentro, e enfim, há lugar para o suspiro assobiado. O tempo faz música a quem lhe reconhece e em seguida, a gente anda de mãos dadas, em silêncio, com a solidão. A pele dela é macia de um jeito que nem sei lhe dizer.
Lembro-me, e gostaria dizer que vagamente, mas me lembro com força e avidez, do tempo em que meu estômago se sentia corroído pelo silêncio. Como se estar só fosse uma espécie de quarto escuro e arredondado, de onde eu não fazia a mais remota ideia de como sair. Lembro de abrir as cortinas e olhar pela janela com os olhos fixos em algum ponto perdido da imensidão. O ar frio da noite alisava a minha pele, como uma porção de dedos macios e delicados. Chorei ruidosamente, tal qual uma criança birrenta que ao menor sinal de pedido negado, quer jogar-se ao chão. Queria amassar todos os cadernos e atirar bolas de papel em qualquer um que ousasse não ouvir o que eu tinha a dizer. É engraçado o tamanho da importância que podemos dar às nossas próprias palavras em tempos de nervos aguçados. Desculpei-me. Desamassei as folhas de papel. Talvez, solto entre o silêncio palpável das noites, eu ainda fosse a criatura mais acostumada às horas sós, dentre todas as criaturas. Talvez eu gostasse delas. E talvez, isso tudo fosse completamente agradável, há que se saber escutar o pulso firme e suave do silêncio.
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