Todo dia a mesma noite – A história não contada da boate Kiss: Um novo fôlego ao livro-reporta
Eu andava desacreditada do jornalismo. Até que caiu em minhas mãos o incrível trabalho de Daniela Arbex em Todo dia mesma noite – A história não contada da boate Kiss. O triste e primoroso livro-reportagem nasce a partir de centenas de horas de depoimentos dos envolvidos direta e indiretamente com a tragédia na boate de Santa Maria em 2013. Com a proposta de servir como memória definitiva, a obra se propõe a mostrar a história não contada de uma noite que tornou-se eterna.
Cheguei ao Todo dia a mesma noite através de indicação em um episódio do Anticast, que entrevistou a autora. O episódio comprova, por fim, como é possível construir uma rede de compartilhamento de qualidade e eficaz a partir da produção de conteúdo. Ao longo do livro nos deparamos com a histórias de diferentes famílias que se viram repentinamente despedaçadas. A escrita de Daniela é extremamente envolvente. Por fim, a força, a intensidade e a proximidade dos relatos encontrados entre as páginas mostram o profissionalismo de uma jornalista que conseguiu mostrar o verdadeiro significado de sua profissão.
O prédio transformado em memorial
Daniela conta a história daquelas famílias e personifica as centenas de corpos espalhados pelo ginásio de Santa Maria. Com cuidado e respeito, eterniza a memória de um dos maiores incêndios e números de mortos no país (no total, 242 jovens). Logo depois, cria uma importante rede de informações para que a mesma história não venha a se repetir. A madrugada de 27 de janeiro de 2013 transformou-se em fumaça na memória e foi pouco a pouco esquecida nos olhos de quem não precisou reconhecer seus mortos. O relato emocionante de Arbex em Todo dia a mesma noite constrói um memorial contra esse esquecimento.
Jornalismo, literatura e sensibilidade
A narrativa tão precisa e contada de maneira íntima me faz esquecer, por alguns instantes, que a história que acompanho não se trata de ficção. Simultaneamente, lembranças dos pais, trajetórias de infância, laços entre irmãos, imagens, recomeços e muita saudade. Nas páginas, um jornalismo fielmente comprometido a contar histórias, se aproximar das narrativas e eternizar um instante. Por fim, enxergamos de perto os desejos e experiências de cada um daqueles jovens. A empatia despertada nos faz questionar ainda mais o descaso com o espaço transformado armadilha.
Por fim, Todo dia a mesma noite humaniza e dá nome aos números expansivos que rodearam a tragédia. Leitura importante e um novo fôlego ao trabalho jornalístico.
“Ao entrar em casa naquela noite, Ligiane ligou o interruptor do quarto de Andrielle. Como faz todos os dias desde aquele 27. Durante as madrugadas, a luz do cômodo onde a filha dormiu por 22 anos permanece acesa. É sua forma de lidar com a ausência dela. Quantos quartos em Santa Maria estarão com as luzes acesas agora?”
Sobre a autora de Todo dia a mesma noite
Daniela Arbex trabalha há 22 anos como repórter especial do jornal Tribuna de Minas. Por fim, suas investigações resultaram em mais de 20 prêmios nacionais e internacionais. Entre eles três Essos, o IPYS de melhor investigação da América Latina e o Knight Internacional. Enfim, estreou na literatura com Holocausto brasileiro e em seguida lançou Cova 312, com os quais ganhou dois prêmios Jabuti. Recentemente, virou documentarista e seu filme Holocausto brasileiro ganhou as telas da HBO em 40 países. Daniela mora em Minas Gerais.
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