Zé Regino, teatro pelas ruas de Brasília
O teatro de ruano Brasil surgiu primeiramente como uma forma de voz contra a ditadura nos anos 80, logo após o regime militar, e se coloca, até os dias de hoje, como uma manifestação artística acessível e de grande importância para estimular e incentivar plateias que se encantem e passem a ser público frequente nos teatros, seja qual for o seu estilo ou vertente. Zé Regino é um dos grandes representantes desta arte pelas ruas de Brasília e cria personagens a partir do que observa entre o concreto e o cotidiano da cidade.
O artista começou sua experiência teatral com o teatro de rua, no início dos anos 80, com o grupo Retalhos. Desde lá, sempre revisita a rua, onde se reinventa e se recicla. Zé conta que na rua a relação é mais direta em todos os aspectos e não é como no teatro tradicional, com toda uma estrutura entre artista e a plateia. “Você tem que ganhar a atenção do público, manter ele como cúmplice durante todo aquele tempo em que você está realizando seu trabalho. É um exercício muito importante para o ator. A rua ensina muito pra gente”.
Pode-se dizer que teatro tem essas variantes, independente do lugar em que é feito. Essas variantes influenciam na execução da obra e o trabalho do ator é manter a execução do trabalho durante a ocorrência dessas variáveis e na rua essa relação é mais direta ainda. Quando o ator domina as exigências que o trabalho teatral rua traz, ele ganha uma habilidade e uma experiência muito grande.
Confira baixo quatro perguntas feitas para o artista
“Qual a importância das apresentações gratuitas para a população?”
Ninguém cria afeto por algo que não conhece, então no caso de uma formação de plateia, você tem que ir mostrando aquilo que você está oferecendo. Por isso eu acho muito importante oferecer para a população o teatro, é importante ela conhecer aquilo para que se desperte algum interesse. Com o tempo as pessoas criam interesse e se é um grupo de 10 pessoas e 2 se interessam, já é uma grande coisa. Então é muito importante mostrar que elas podem consumir teatro, ter acesso à arte.
“Ideia do processo”
O meu grupo, Celeiro das Antas, já tinha feito um trabalho sobre moradores de rua. O meu trabalho de palhaçaria tem muita observação de personagens da rua, o Tiago conhecia o meu trabalho e convidou. Eu trouxe uma técnica para esse projeto que é de construção de mapa corporal, é uma técnica simples. É como você observar um corpo e perceber rapidamente o que define aquele corpo, através de pontos de tensão e pontos de fluência. Primeiro você aprende a localizar isso no seu corpo, onde são esses pontos, onde está a energia.
Depois que você aprende isso fica fácil construir o mapa, então os meninos foram para a rua observar. Sempre o que te move na observação é o encantamento. Desde ali a divulgação de um feirante para ganhar sua clientela, a uma senhorinha mal-humorada… as diferenças são grandes, o importante é como você vai levar esse personagem para dentro da sala de aula e recriar e reconstruir em cima dele.
“Qual a expectativa”
Nossa expectativa é que principalmente a plateia se veja nesses personagens, se identifique com essas figuras da rua. Então o principal é sempre alcançar a plateia. Imagina, na rua quando você para e vê aquela roda de pessoas na rua, interessadas com o que você está fazendo… é gratificante. Queremos que as pessoas se interessem e que a gente consiga atingir o coração delas de alguma forma.
“Histórias curiosas na rua”
Meu grupo tem dois conceitos básicos: quando a gente consegue encontrar aquilo que queria seja na rua ou no teatro, chamamos de triunfo. Quando não conseguimos realizar da maneira como esperávamos, chamamos de Peia, que acaba nos ensinando. Já aconteceu de estarmos apresentando em uma comunidade e quando terminamos eles logo disseram “agora faz de novo”, com uma comunidade de índios do Pará. Acho que se dependesse deles ficaríamos repetindo o mesmo espetáculo até o fim da noite, eles não se cansavam.
Mas acontecesse também de você ser abandonado pela rua, uma vez íamos apresentar em uma feira da Ceilândia em dia de jogo da copa, fomos apresentar e quando vimos não tinha quase ninguém olhando pra gente. Quando uma senhora ia saindo também nós falamos “ah não, não vai não!” e a senhora disse: “Tá, então faz logo aí rapidinho! Claro, acabamos não concluindo o espetáculo. E o mais recente, um dia estávamos apresentando e um italiano que nos assistia disse ao final ‘não tem outro jeito de definir, isso que estamos vendo é um exercício de amor’, esse foi meu grande presente de fim de ano, fiquei encantado”.
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