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Leia mulheres negras

Foto do escritor: Isabella de AndradeIsabella de Andrade

Para dar continuidade à nossa série de entrevistas com grupos e coletivos que incentivam o acesso, a produção e a leitura de livros escritos por mulheres, hoje trazemos um bate-papo com Bianca Gonçalves, do grupo Leia mulheres negras. O cenário do mercado editorial atual não é dos mais animadores, no entanto, grupos de mulheres se espalham por diversas partes do país para permitir que esta lacuna seja preenchida.

Aproveite para ler a entrevista de ontem, com uma das criadoras do grupo Leia Mulheres:

 

Bianca Gonçalves tem 24 anos, é professora e pesquisadora. Atualmente está no último ano de graduação em Letras na USP, onde faz Iniciação Científica sobre autoras negras da literatura marginal-periférica. Também escreve poemas, alguns dispersos em antologias e revistas virtuais.

Quando e como foi criado o Leia Mulheres Negras?

Se eu não me engano, o projeto tem 2 anos e foi criado com o intuito de divulgar um curso que ministrei na Casa de Lua (extinta ONG localizada na Vila Madalena, em São Paulo) sobre autoras negras na literatura brasileira. Na dificuldade de encontrar canais que tematizassem o assunto, criei uma página para chamar um público que tivesse interesse no curso. Em seguida comecei a divulgar alguns nomes e livros que eu conhecia através da página, escrevi alguns textos para o meu blog e pude também organizar clubes de leitura e outros cursos, um deles foi ministrado ano passado no Instituto Federal de São Paulo (IFSP). 

Por que motivos projetos como este são importantes para as escritoras? Acredita que essas iniciativas têm ajudado a aumentar a visibilidade da produção literária feita por mulheres?

Acredito que o gesto político sugerido pelo imperativo “Leia Mulheres Negras” seja importante para dar visibilidade a autoras que são pouco divulgadas ou, ainda, sequer são publicadas por editoras e que, por isso, não dispõem de um aparato de publicidade – pensando que a experiência da auto-publicação é recorrente entre autoras negras. O retorno do meu projeto tem sido muito positivo, diariamente recebo mensagens de agradecimentos, sugestões de leitura e a procura pelos cursos reflete o reconhecimento da importância dessa produção.

Acredita que atualmente ainda seja grande a diferença de alcance e reconhecimento entre escritores e escritoras ou esse cenário já mudou? E para escritoras negras?

Pesquisas como a da Regina Dalcastagnè (professora de Literatura Brasileira da UnB) mostram que o cenário literário das grandes editoras nacionais é extremamente desigual: maioria dos autores são homens brancos de classe média que, em gêneros narrativos, insistem em construir ficcionalmente o mesmíssimo espaço que ocupam. Mesmo com todos os esforços ativistas, percebo que pouquíssimas autoras negras são merecidamente divulgadas. Geralmente autoras estrangeiras, sobretudo anglófonas (como Chimamanda Adichie e Toni Morrison), ganham repercussão, pois elas valem-se de outros dispositivos de legitimação. É possível pensar também que, das escritoras estrangeiras negras publicadas por grandes editoras, praticamente todas elas são autoras de romances, gênero literário que quase sempre encontra eco nas demandas comerciais. 

Gosto de incluir na minha crítica não somente a questão das desigualdades sexuais e raciais na circulação de obras literárias, mas também o fato desse raro prestígio estar reservado a poucas estrangeiras e a um único gênero literário. Afinal, há poetas, ensaístas e pesquisadoras negras que também escrevem livros, além daquelas que escrevem e não se encaixam em gênero algum.

O que poderia ser feito para que a literatura produzida por mulheres tenha um alcance cada vez maior, a ponto de alcançar paridade com a produzida por homens? É preciso enfatizar também a questão da produção literária negra?

Além da divulgação, da necessidade de editoras olharem para a produção de autoras negras, – que podem ou não sentirem-se incluídas no nicho “literatura negra”, – há alguns elementos que escapam dos nossos esforços de difusão literária,como o próprio acesso à leitura e, por extensão, ao estudo. Escrever um livro talvez seja o ápice da atividade intelectual, algo que demanda tempo e capital, tanto financeiro como cultural.

As lutas pela democratização do ensino, reivindicações por cotas e políticas de permanência em universidades não estão longe dos questionamentos ativistas que pontuo aqui, pelo contrário: elas são centrais para a existência da paridade entre pessoas negras e brancas no exercício intelectual. 

O que tem te trazido mais satisfação em relação ao projeto?

Fico muito feliz quando vejo que os cursos que ministro tem alta procura, inclusive fora do estado. Além disso representar reconhecimento do meu trabalho enquanto professora, demonstra também que a literatura de autoria negra feminina tem uma grande demanda, diferentemente do que mercado editorial tenta nos fazer acreditar…

A escritora Carolina Maria de Jesus


Você costuma ler mais livros escritos por mulheres atualmente? Busca esse filtro na hora de escolher suas leituras ou procura ler independente do gênero?

Como a minha pesquisa é voltada à produção de mulheres, eu acabo lendo muito mais autoras que autores. Não somente a literatura escrita por mulheres, mas também aquela que, de alguma forma, atravessa a questão de gênero, tem meu interesse. 

Qual sua autora preferida?

Gosto bastante da Conceição Evaristo, sobretudo os contos publicados em “Olhos d’água”. O romance de Marilene Felinto, “As mulheres de Tijucopapo”, também tocou-me bastante. Recentemente tenho relido “Esse Cabelo”, da estreante portuguesa Djaimilia Pereira de Almeida, uma narrativa ensaística em que a autora usa seu cabelo (crespo) como mote para se pensar sobre identidades e subjetividades no contexto português.

Você pretende participar ou incentivar outros projetos neste sentido?

Meu projeto esse ano é focar nos cursos sobre autoras negras em cursinhos populares. Gostaria de refletir sobre a representação da mulher negra na lista de livros obrigatórios do vestibular e oferecer um contraponto através da produção afro-feminina brasileira. Já tive experiência semelhante e o resultado com estudantes de pré-vestibular foi muito enriquecedor.

 

A poeta Elisa Lucinda


Amanhecimento

De tanta noite que dormi contigo no sono acordado dos amores de tudo que desembocamos em amanhecimento a aurora acabou por virar processo. Mesmo agora quando nossos poentes se acumulam quando nossos destinos se torturam no acaso ocaso das escolhas as ternas folhas roçam a dura parede. nossa sede se esconde atrás do tronco da árvore e geme muda de modo a só nós ouvirmos. Vai assim seguindo o desfile das tentativas de nãos o pio de todas as asneiras todas as besteiras se acumulam em vão ao pé da montanha Para um dia partirem em revoada. Ainda que nos anoiteça tem manhã nessa invernada Violões, canções, invenções de alvorada… Ninguém repara, nossa noite está acostumada.

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